domingo, 19 de julho de 2015

assombrações

Na primeira vez em que te vi, você estava erguendo o braço para pegar um livro. A manga da sua camiseta desceu, e, por baixo dela, pude ver a tatuagem. Não consegui ler (por miopia), mas percebi que eram palavras.

Em uma parte de Hannibal, um agente do FBI morre. Ele era um personagem de fundo, pro qual ninguém teria dado muita atenção, mas o Thomas Harris descreve que tanto a Clarice quanto uma amiga dela tinham uma queda por ele. Ambas tinham tido aulas de tiro com esse cara e elas tentavam ler a tatuagem dele através de sua camiseta.

*

Percebi o seu olhar e me lembro de você arranjar uma desculpa pra me fazer uma pergunta banal. Não te culpo: eu provavelmente parecia fofa no primeiro dia. Não sou uma mulher bonita, não de acordo com padrões de beleza. Entretanto, gosto de pensar que, se eu tenho algum tipo de beleza, ele é daquele tipo que você só pode encontrar na natureza: bruta e selvagem. Em geral, eu tendo a perceber quando alguém percebe esse aspecto de mim.

Mas, na próxima vez, quando nos vimos de novo e você sabia o meu nome (mesmo fingindo não ter certeza), eu tive certeza.

*

Quando eu te vi pela primeira vez, eu não imaginei, mas poderia ter imaginado, como seriam todos os pequenos desaforos seguintes, todas as pequenas faíscas.

Um dia, quando era criança, estava no quintal com um vizinho e um inseto subiu nele. Eu tenho fobia de alguns tipos de insetos. Eu entro em pânico, é vergonhoso. Ele se debatia, horrorizado, e eu passei todos os próximos anos da minha vida acreditando, sempre que via aquele tipo de inseto, que algum dia o mesmo aconteceria comigo. E aconteceu. Quando te vi pela primeira vez, senti esse mesmo tipo de horror.