segunda-feira, 4 de abril de 2016

pulmões foliáceos

Tenho pensado em termos de pequenos passos. Lavo a louça aqui, dou os remédios pra minha mãe ali, escrevo umas páginas de projeto, vou ao médico, escrevo outras páginas de TCC. Faço concessões, tento ajudar mais, abro mão de cada conforto. Somando tudo, não sei como escrevi essas 50 páginas. Há mais por vir, mas isso já me parece sobre-humano. De onde tirei forças? No começo do ano pintei o cabelo. Desde adolescente que não pintava o cabelo e não achava que isso voltaria a acontecer. As pessoas me perguntam quem é ele. Difícil explicar que, depois de tudo o que eu passei, a cor do meu cabelo dificilmente tem a ver com homem. Tento ser mais paciente com as pessoas, mas nem sempre é possível. Às vezes, reenceno a cena que já presenciei tantas vezes: quem entra no banheiro, vê uma das portas fechadas e percebe o silêncio, é quase capaz de enxergar as lágrimas furiosas e quentes escorrendo pelo rosto.
Tento acrescentar umas cores e me faz tão bem. Mas não é frequente: o dinheiro quase nunca dá. A companhia da minha mãe, uma feirinha de comida, uma feirinha de parafernálias, um filme no cinema, um fastfood, o maravilhamento de pegar uma linha de ônibus que eu nunca peguei e que passa por lugares bonitos da cidade, uma avenida que eu quase nunca tinha visitado, um museu, um musical, um parque, o planetário. Pode parecer banal pra alguns, mas em vista da região onde moramos, tudo parece saído de um livro de literatura fantástica. Concordamos tacitamente no conforto de ver novidade. Pessoas vivendo suas vidas. Talvez eu tenha pintado o cabelo por causa da certeza leve revelada no rosto das meninas de cabelos acobreados na linha amarela.
Às vezes: desânimo. Por que estou fazendo tudo isso? Só com os meus pequenos passos, eu não sou capaz de mudar o sistema. Mas talvez eu consiga abrir brechas nessa estrutura. E, talvez, só talvez, essas brechas permitam que a estrutura comece a respirar.

Um comentário:

Buchstabieren disse...

Hellen,

E você nunca sai realmente da minha mente. Hoje eu encontrei um caderno antigo onde eu falava sobre uma frase que eu tinha lido de uma menina que eu não conheço, mas o que ela escreve sempre toca o coração. E eu não sei se a frase é sua, não sei se eu estava falando de você, mas é você que hoje, tantos anos depois, ainda passa pela minha cabeça quando eu penso em alguém assim.

Faz muito tempo que você não atualiza e faz muito tempo que eu mesma não visito esse espaço, mas hoje eu pude reler muito do que você colocou aqui. E isso me fez lembrar de uma outra eu, de uma outra época e eu percebi que ela não se foi, mas está só aqui no cantinho, sentada e comportada... esperando alguém dar atenção a ela.

E apesar das poucas coisas pessoais que você expôs, das poucas vezes que eu comentei e de todo o tempo que passou, esse ainda é o cantinho em que eu me sinto mais perto de mim mesma.

Mariana.

(a frase era: "pessoas que não tem medo ou preguiça de se esforçar" dentro do contexto "coisas que eu amo".)